O PROCESSO DE CURA ATRAVÉS DA ARTE – Sobre dar e receber
Tenho pensado muito no equilíbrio entre dar e receber, e tenho percebido que, se receber uma dádiva nos faz feliz, doar algo de nós faz ainda mais.
Qual a medida?
Creio que não haja uma fórmula que se possa aplicar.
A medida é dada pelo coração, a gente doa daquilo que tem e que transborda, desta forma, precisamos botar para fora sob a pena de naufragar, sufocar.
Sabe aquela imagem dos desenhos animados, em que o barquinho está afundando e aí o personagem começa a jogar tudo que pode significar excesso de peso e tudo parece ficar bem até que ele percebe que jogou também os remos ficando à deriva?
Bem isso!
No desenho animado, o personagem joga o excesso de bagagem para sobreviver, mas de fato, numa leitura simbólica, sem a medida certa, pode morrer.
Não é uma questão de guardar para si, mas de equilibrar, pois afundando e levaremos uma parte do todo conosco.
Vamos imaginar a sequência desse desenho, pense que outro barquinho à deriva está um pouco atrás deste primeiro que se desfez de equipamentos, será um alívio para o outro encontrar aqueles pertences assim, como uma dádiva Divina flutuando no mar, em sua angústia por sobreviver, tratará de recolher tudo que lhe for possível e passará ele a correr o risco do naufrágio, praticamente uma transferência de problemas, pois aquilo que poderia ser a salvação passará a ser o sufoco final.
Nessa história de barquinhos, nem o primeiro nem o segundo barquinho encontrou o equilíbrio, a justa medida é saber doar e saber receber.
Se pensarmos num sistema colaborativo, em que todos se beneficiem, uma corrente circular, certamente o primeiro barquinho receberá de volta aquilo que necessite para encontrar um porto seguro.
Assim acredito num processo de aprendizado para a vida através da Arte.
Estar em cena, mesmo numa sala de aula, ensina a necessidade da troca e do convívio.
O protagonista doa uma emoção, o seu parceiro de cena recebe, contribui, devolve ou passa para outro personagem, num processo consciente, parte da estratégia para que a magia aconteça.
Neste momento, o protagonista deixa de sê-lo em função da equipe. Tem poder mais bonito que este, de dar ao outro a oportunidade de perceber-se?
Mas ainda tem o público… ah! o respeitável público!
No circo a troca é ainda mais toma lá dá cá, é imediata, olho no olho, ninguém quer saber de quarta parede como propicia o teatro como forma de preservar a cena, fazer de conta que o outro não está lá.
No circo, você doa em excesso para receber na mesma medida, e aí, meu caro, trate de equilibrar-se e fazer malabarismos com essas emoções soltas no ar.
E tem alegria maior que a abundância quando atinge o coletivo?
Não conheço!
Desejo que a vida chegue assim, abundante e circular para todos.
Elaine Frere